segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Sobre a "morte de Harajuku"

Olá!

Hoje vai ter textão~

Pra quem não conhece, Harajuku é uma região de Shibuya, um bairro de Tokyo, e é dali que surgem alguns dos mais ousados e interessantes estilos de rua do mundo. Principalmente a partir dos anos 90 a área se tornou um ponto de congregação de jovens interessados em moda, vasculhando as ruas cheias de lojas de marcas que vão do indie ao mercado de luxo. O bairro fica num ponto vital da cidade, com localização nobre, e abriga também o grande Templo Meiji, o parque Yoyogi, vários restaurantes e alguns museus.

Rua Takeshita em Harajuku

Não sei vocês, mas eu tenho ouvido muito falar da morte (ou declínio, para os menos exagerados) de Harajuku como centro de moda. Desde esse artigo do Tokyo Fashion a discussões mais casuais em blogs e redes sociais. Há uma evidente preocupação com a situação atual da moda de rua japonesa e seu futuro, e acredito que para todos os interessados não só em j-fashion, mas em moda alternativa em geral, vale a pena se aprofundar no assunto.

Pra começar, essa conversa não é exatamente nova. De tempos em tempos aparece alguém falando que o estilo x está morrendo, não existe mais no Japão e coisas do tipo. O fato é que modas vêm e vão, deixam de ser populares com o tempo, mas em geral sempre resta pelo menos um pequeno grupo de seguidores ferrenhos que nunca as abandonam.

Mas quando se fala de mudanças em Harajuku em si, o problema é maior porque o bairro é tradicionalmente um criadouro de novos estilos. Com o recente fechamento das lojas físicas das marcas h.Naoto e Milklim, toda a atenção se voltou para essa questão. Por que tantas lojas têm fechado nos últimos anos? E quão reais são os rumores sobre a diminuição de alternativos circulando por Harajuku?

A loja da Milklim em Harajuku fechou as portas em Julho.


Várias hipóteses têm sido levantadas. Não acredito que uma ou outra seja a singular responsável: provavelmente são vários fatores que vêm afetando a cena alternativa no Japão, e um vai exacerbando o outro.

Um desses fatores é o aumento do turismo. Isso pode soar bom, e talvez até seja do ponto de vista econômico tradicional. Em teoria, quanto mais pessoas, mais vendas. Contudo, os turistas que visitam Harajuku para ver e tirar fotos dos estilos diferentes que existem por lá não são as mesmas pessoas que efetivamente compram roupas desses estilos. Eles entram nas boutiques alternativas, tiram fotos das lolitas, e vão pra H&M comprar uma camiseta.

Daí já se tiram várias outras questões: cada vez aparecem mais lojas de fast fashion e fast food para atender à demanda de turistas, por vezes tomando o espaço das marcas de nicho; as preparações para eventos como as Olimpíadas de Tokyo em 2020 significam dispersar os grupos de jovens em locais públicos, além da renovação de vários prédios, o que encarece o aluguel para as lojas menores.

É cada vez mais difícil encontrar cosplayers e pessoas vestindo moda alternativa na Ponte Jingu, antigamente um dos points de Harajuku. Foto: camknows

Além disso, algumas das tribos urbanas não gostam de ser fotografadas e tratadas como algo exótico pelos gringos gaijins e passam a evitar se expor em Harajuku. Com as redes sociais, fica fácil compartilhar seus looks sem precisar sequer sair de casa. Isso, combinado com o envelhecimento da população japonesa/diminuição do número de jovens no país, explicaria o aparente sumiço da juventude estilosa das ruas.

Mas será que é "só" isso? Até agora falamos mais de como fatores externos às comunidades alternativas as afetam. Mas e as mudanças internas?

Vi alguns textos culpando principalmente o comércio de réplicas e os competidores estrangeiros, e como eles diminuem as vendas das boutiques japonesas. Apesar de ser um ponto importante, afinal existe aí uma competição direta, acredito que o problema talvez seja mais profundo.

Conversando certa vez com minha professora de inglês para estrangeiros em Londres, ela comentou que alguns anos atrás vários alunos japoneses iam às aulas vestidos nos trinques em estilos alternativos, super inovadores e comprometidos com seu visual. Hoje em dia, porém, todo mundo usa roupas mais... comuns.

Lojas das redes H&M e Forever 21 em Harajuku. O problema não é tanto a fast fashion em si, mas o impacto que tem sobre as lojas sem igual do bairro.

É fato que a proliferação das redes de fast fashion, oferecendo roupas de forma fácil, rápida, barata e ainda com estilo, causa mudanças no comportamento dos jovens consumidores de moda. Usar um estilo alternativo dá trabalho, pode custar muito caro e tem um impacto social que nem sempre é desejado.

Também não podemos negar a influência da globalização, com o compartilhamento de estilos através da internet. Assim como alguns de nós se inspiram nas j-fashions, a moda japonesa é influenciada principalmente pelas tendências norte-americanas e sul-coreanas, o que leva a uma certa massificação do vestuário.

Muitos dos estilos que reconhecemos como representativos de Harajuku nasceram de uma vontade de se opor às rígidas regras da sociedade - um pouco como o movimento Punk no Ocidente. Mas essa ferocidade do início naturalmente vai minguando, até que existam poucos adeptos do estilo como era originalmente. A influência fica, mas de forma diluída. Assim também as Ganguros deram espaço a estilos mais suaves de Gyaru, e a moda do OTT Sweet Lolita vai se voltando para um Classic mais simples.

A modelo RinRin Doll explica que para ela a moda Lolita tem um quê de feminismo, já que a pessoa não se veste para agradar os outros, mas a si mesma.

A moda é cíclica e precisa desses "respiros" depois de momentos muito intensos. Mesmo dentro de estilos alternativos, que são em geral mais exagerados por excelência, existe esse vai-e-vem - com a exceção de uns poucos corajosos. É um processo natural e que pode ser positivo, por dar a oportunidade de refletir, "resetar", e quem sabe criar algo mais inovador ainda da próxima vez.

Alguns estilos mais recentes, como Larme e Peco-kei, são bem mais próximos da moda mainstream do que, digamos, Visual-kei e Decora - mas nem por isso são ruins. São cheios de possibilidades de crescimento justamente por serem tão abertos à interpretação.

Swankiss/Larme: alternativa suave

É triste ver lojas fechando, mas sabemos que algumas delas permanecem com lojas online ou em outros pontos. Não é o fim para eles. Pessoalmente só espero que, mesmo com todos esses fatores externos, a geração atual de fashionistas não acabe ficando estagnada, se contentando com o estilo ready-to-wear e deixe de flexionar os músculos criativos. Harajuku sempre foi tido como um poço de criatividade e seria uma grande pena perder isso.

Ainda assim, vale lembrar que a criatividade está dentro dos indivíduos. Mesmo se Harajuku como conhecemos hoje fosse demolida e virasse um shopping center gigante patrocinado pela Coca-Cola e McDonald's, a história e a influência do bairro devem continuar. A vontade de querer inovar e se expressar através da vestimenta não está atrelada àquele lugar físico - é uma opção que milhares de pessoas fazem todos os dias, em todo o mundo!

Então, respondendo à pergunta: Harajuku está morrendo?
Acho que Harajuku e seus estilos são que nem a Sininho: existem enquanto houver quem acredite neles.

Fica aqui um convite à discussão!


12 comentários:

  1. amei o post e muito informativo, parabéns :D

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    1. Obrigada, Jaqueline! Achei importante tratar disso aqui no blog :D

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  2. Adorei muitão esse post! <3
    E fiquei extremamente triste com o fechamento da Milklim :( Meu sonho sempre foi em visitar a loja...
    Mas é legal ver que as coisas estão evoluindo por uma série de razões ~

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    1. Ao menos a Milklim pode continuar com as vendas online, né?
      Também espero que as coisas evoluam, tanto no Japão quanto fora dele! <3

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  3. Eu sinto uma grande tristeza por saber o que está acontecendo otanto com Harajuku quanto a moda alternativa no Japão, afinal, sou uma grande admiradora das duas, já que não tenho tanto dinheiro para investir em uma moda alternativa como eu gostaria. Só espero que seja realmente apenas uma fase de "respiração" e que logo tudo volte ao normal, já que um dos meus sonhos é conhecer esse bairro tão lindo e, principalmente, comprar em suas boutiques, haha. ♥

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    1. Também adoraria visitar Harajuku como costumava ser, parece um lugar encantador. Realmente tenho esperanças de que seja só uma fase ruim~
      De qualquer modo, tenho certeza que as sementinhas da moda alternativa já estão criando raízes em outros lugares!

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  4. Adorei sua colocação sobre Harajuku. E realmente moda alternativa exige muito de nós. Eu que sou adepta digo que a moda é um expressão da nossa personalidade e por que o tanto que nos dedicamos a ela é o tanto que nos reafirmamos como indivíduos únicos. Eu torço para que Harajuku esteja somente em um processo de renovação. Há certo tempo atrás, por exemplo, diziam que o decora kei estava morto. Não demorou tanto para que ressurgisse e colorisse as ruas de Tokyo.

    ~ Magical Jillian

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    1. Já vi enterrarem muitos estilos, mas eles sempre ressurgem como uma fênix haha.
      Mesmo quando saem de moda, ou os seguidores do estilo "graduam", sempre tem alguém que realmente se identifica com aquilo e leva consigo pra sempre - sem falar nas novas ramificações e estilos inspirados que surgem com o tempo.

      Obrigada pelo comentário!

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  5. Eu duvido q seja culpa de "réplicas". Qualquer mercado tem a parte de "segunda mão" e o copiado, o "fajuto", a "réplica". E quem compra uma réplica mas realmente pertence ao estilo, faz de tudo pra comprar o original, as vezes nem por bullying dentro do estilo/hobby, mas por querer pertencer ao grupo, ter o original, ter algo de qualidade melhor porque é aquilo mesmo q a pessoa sabe que gosta. Muita gente compra um estilo, replicado ou não, e acaba se desfazendo. Réplicas de qualquer coisa existem, e estão lá, e afetam a vida das pessoas, mas rarríssimas vezes de uma maneira q faça a ideia original fechar as portas. Afinal, só o original é ele mesmo, só o original tem a qualidade e a etiqueta, e é bem conhecido e aceito nesses grupos alternativos. Uma coisa q afeta muito mais as vendas, de uma forma física, quantificavel, é a falta de opções e variedades que essas etiquetas dispõem. Eu não vou citar nomes, afinal, também não conheço todas as lojas como se eu usasse todas, mas esse senso de "elitismo", de que só quem é lolita mesmo, só quem pertence e sabe do estilo vai usar de verdade e merece a nossa etiqueta, isso é muito comum e fere qualquer estilo ou hobby. Essa falta de se abrir a novas possibilidades, novos clientes, novos tempos, faz qualquer loja fechar as portas. Se a Coca-cola por exemplo, nunca tivesse inventado a Coca Light, ela venderia bem menos, iria fechar as portas bem mais cedo, independente da força do nome. É estagnação, elitismo, falta de variedade, isso diminui as vendas, isso faz as pessoas recorrerem à aquela replica que é a única q cabe numa gaijin, ou a única q tem nessa cor, coisas assim. Não tem como reclamar de réplicas quando as lojas não de adaptam aos tempos e aos clientes, com medo de perder uma essência tão exclusiva que morre junto com a vontade e o gosto dos antigos clientes.

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    1. Concordo que as réplicas não sejam o principal fator, mas ainda é um deles - principalmente considerando que as marcas Lolita, por mais famosas que sejam dentro do meio, ainda servem a um nicho e fabricam quantidades relativamente pequenas, sendo mais afetadas por esse tipo de coisa do que uma marca de luxo ou fast-fashion.
      Achei interessante a sua colocação. Li recentemente que talvez justamente as marcas que têm investido mais no mercado internacional consigam aguentar melhor esse tranco, e várias delas são marcas Lolita, que ao menos têm lojas virtuais também em inglês ou até já tentaram lojas físicas em outros países.
      Agradeço o comentário!

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  6. Amei o post! amo o estilo harajuku <3
    Beijos.
    www.reinodeanna.com

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    1. Obrigada, Anna!
      Também gosto, são tão inspiradores~

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